No livro
QUEDAS E ASCENSÃO, o médium Divaldo Franco psicografa, através do espírito Victor Hugo, a história de um ex-toureito. Pilarzito gosta de touradas desde criança, iniciou aos 9 anos de idade. Antes dos 20 anos já era um toureiro famoso, que se saciava com bebidas e mulheres. Todo o dinheiro que ostentava vinha da atividade cruel, a tauromaquia. Tudo mudou quando Pilarzito foi atingido por um touro em plena arena, resultando em crânio e vértebras quebradas. Esse foi o fim maquinado por seus diversos inimigos do plano espiritual, frutos de seu passado como um padre perverso, Don Lorenzo. Depois de meses na UTI, Pilarzito se vê impossibilitado de andar. A partir daí descobre que "amigos", mulheres... não passavam de ilusão. Depois de conhecer a depressão, Pilarzito renasce através do conhecimento do espiritismo e da reforma íntima. Pilarzito se torna um grande ativista da causa animal, lutando pelo fim da atividade cruel que é a tauromaquia.
Segue trechos do livro que contam melhor a história de Pilarzito:
"Esse era o momento em que o toureiro deveria movimentar a
muleta com destreza de forma que o touro se cansasse e, abaixando a cabeça,
descobrisse o cachaço para receber o golpe final, a estocada. Avançando em
linha reta entre os chifres, com incrível agilidade, o toureiro não se pode
equivocar. Foi, porém, rápido demais o seu desfecho, pois que o animal alcançou
Pilarzito antes que ele tivesse tempo de mover-se. A cornada certeira
atingiu-lhe o estômago e ele foi atirado ao ar como um trapo à mercê do vento
para cair a alguns metros de distância, sendo vítima do perseguidor, que
retornou em seguida e tentou escorneá-lo outras vezes, embora a equipe que
correu na sua ajuda, para desviar a atenção da fera e arrancá-la dali. Assim
mesmo, o jovem foi pisoteado e recebeu outras chifradas que o feriram na coxa,
no pulmão e noutros órgãos, ficando exangue.
Inconsciente, foi retirado pelos padioleiros apressados e
conduzido ao interior do imenso edifício para imediata assistência, enquanto a
ambulância se preparava para levá-lo ao Hospital.
O espetáculo, porém, não foi interrompido. Outro toureador
foi colocado na arena e novo touro foi atirado contra ele, dando prosseguimento
ao festival de insânia e de embriaguez dos sentidos.
O patrão da equipe, desnorteado, seguiu na mesma ambulância
que conduzia o jovem toureiro, de imediato levado ao centro cirúrgico, onde foi
atendido por largas horas, travando nova e pertinaz luta entre a vida e a
morte. Logo que estancado o sangue e feitas transfusões imediatas, radiografias
cuidadosas anunciaram a gravidade das lesões, especialmente na quinta vértebra cervical,
acompanhada de um trauma crânio-encefálico que denunciava uma paralisia
irreversível, como normalmente acontecia com aqueles que sobreviviam à
hediondez da luta.
Informados por telefone, os pais de Pilarzito foram estar
com ele no hospital, dias após, acompanhando-o durante o coma que parecia
vencê-lo. Em atendimento prolongado na Unidade de Terapia Intensiva, a pouco e
pouco, no entanto, foi recobrando a lucidez, embora permanecesse como de alta
gravidade o seu quadro.
Enquanto, porém, esteve no letargo da inconsciência em
relação à vida física, vivenciara uma outra realidade para a qual não se
houvera preparado.
Em Espírito, após o rude acontecimento, conseguiu claridade
mental e passou a sentir todas as dores e angústias que lhe assinalavam o corpo
arrebentado. Podia ver-se livre e imantado ao leito, engessado em grande parte,
imobilizado, no entanto, com movimentos dolorosos, às vezes, que não lhe impediam
de acompanhar as ocorrências do dia a dia hospitalar. Desse modo, pôde
experiência as aflições que tomaram os seus pais, o desespero materno que se
prolongava diante do filho quase morto, e sofria todos esses dramas que nunca
imaginara pudessem existir.
Simultaneamente, passou a perceber a presença dos perversos
inimigos, em um mundo de pesadelos incessantes, que pareciam surgir das sombras
em volta e o acusavam de terríveis flagícios que lhes impusera, encerrando-lhes
as existências com a traição, o garrote, a roda, o estrangulamento... Diziam-se
mouros alguns, outros cristãos, outros amigos enganados, e referiam-se aos dias
cruéis que se sucederam ao exílio que a alguns havia sido imposto. Diversos
apresentavam-se deformados, com as características da morte que lhes arrebatara
o corpo, afirmando que não haviam sucumbido às tramas infames do perseguidor
inclemente, e que, anos após, ao identificarem-no outra vez no corpo haviam tramado
a sua destruição, porém de maneira lenta e mui dolorosa.
Incapaz de compreender em toda a profundidade o que se lhe
apresentava, Pilarzito permanecia estarrecido e implorava à Virgen de la
Macarena que o protegesse dos demônios que se haviam unido em infame sortilégio
para destruí-lo. Momentos outros havia em que não lhes suportando as ameaças, conseguia
fugir-lhes da sanha, em disparada correria por estranhos e sombrios caminhos
sem-fim, logo retornando exausto e incapaz de reagir-lhes ao cruel massacre
moral. O tormento prolongou-se pelos meses que se sucederam ao infausto
acontecimento, mesmo após ser deslocado para um apartamento especial da Casa de
Saúde, por instâncias do seu genitor, quando recuperara o discernimento...
Digamos de uma vez: Pilarzito, El matador, encontrava-se
resgatando o passado rico de crimes a que se entregara. A sua atual existência
repetia a insânia da anterior com menor gravidade. Naquela, utilizara-se da
inteligência para o crime soez contra o seu próximo, dominado pela avareza e
cobiça desmedida, pela ganância exacerbada e ambição de poder, havendo alterado
o comportamento, que ora se apresentava com as mesmas características, matando
os animais em espetáculos que o aclamavam como poderoso e lhe ofereciam
dinheiro, poder e ostentação. Houve mudança de significado existencial, mas não
uma real alteração de conduta moral, pelo que agora sofria na quase imobilidade
no leito hospitalar.
Logo que passou a crise do coma, mais ou menos dois meses
após, foi transferido para um outro com melhores recursos em Toledo, o Hospital
de Paraplégicos, onde pôde começar os exercícios de fisioterapia.
Quando, porém, constatou a impossibilidade total de
recuperar o movimento dos membros inferiores, a revolta assomou-lhe, violenta,
levando-o aos transtornos de comportamento, com ideia fixa para o suicídio,
dominado por severa depressão.
(...)
Em plena juventude, havendo sido destruídos todos os seus
sonhos de ventura, viu, a pouco e pouco, os amigos afastarem-se, passada a
comoção inicial da tragédia, e lutando contra a depressão do choque
pós-traumático, sobrevivera, mas destituído de outros ideais em mente. Foi,
nesse estado de espírito que passou a entender, ante as páginas de O Livro dos
Espíritos, de Allan Kardec, que ninguém se evade de si mesmo, nem pode
deslustrar a Vida pelas infâmias e urdiduras do mal, em que se detém por algum
tempo, nunca, porém, para sempre.
Renovando-se lentamente, aprofundando a mente na leitura
esclarecedora e vivenciando a reencarnação, começou a agradecer a Deus a nova
oportunidade que se lhe desenhava enriquecedora, enquanto se preparava para
aceitá-la com naturalidade e paz no coração.
Reconhecia que não era fácil, porém, na vida nada é fácil do
ponto de vista do utilitarismo, do prazer exorbitante que deseja tudo para si e
coisa alguma para os demais. No entanto, iria empenhar-se pela conquista de
outro significado e sentido existencial. Utilizar-se-ia da nova condição para desencadear
uma cruzada contra a tauromaquia, o culto às infelizes corridas de toros, que
tantas vidas humanas ceifava e outras tantas inutilizava em rudes paralisias e
limitações orgânicas...
Lentamente passou a nutrir sentimentos de compaixão também
pelos animais que eram expostos à crueldade, procedentes de raças indomáveis e
espicaçados nos instintos inferiores e na agressividade para deleite de
espectadores sanguinários e violentos.
Dois anos passaram-se lentos e mortificantes...
Visitado, mais de uma vez, por nobres servidores da
Sociedade de amigos dos animais, essa respeitável Organização que vela pelos
irmãos em processo de evolução que ainda se encontram na retaguarda, na qual
todos oportunamente estivemos, foi ampliando a sua capacidade de respeito por toda
e qualquer forma de vida, ensejando que o amor iniciasse no seu imo o
despertar, a fim de agigantar-se mais tarde, emulando-o a inscrever-se nas suas
fileiras, para erguer a bandeira de proteção aos touros...
Pareceria um paradoxo que o jovem revel, que triunfara
mediante o hediondo comércio criminoso das corridas de touros, agora se
transformasse em defensor da extinção do nefasto e degradante esporte sanguinário.
Era, no entanto, o momento da sua conscientização, da reconquista do patrimônio
da dignidade, que não apenas prescreve o uso do bem, mas também proscreve o
crime e todas as suas formas de vigência no organismo social.
Iniciando uma campanha por meio do periodismo escrito,
falado e mais tarde televisionado, a solicitação para entrevistas cresceu na
razão direta em que a sua cidade, o seu país, depois o mundo hispânico em
geral, tomaram conhecimento da revolução que se lhe operara no mundo interior.
Não faltaram aqueles que, a fim de justificarem a
perversidade, informavam que se tratava de um desequilíbrio, e com refinada
ironia atroavam:
— A chifrada certeira do touro, que o imobilizou, atirando-o
ao solo, produziu-lhe uma lesão cerebral, de onde se derivou um choque
psicológico muito grande, que lhe afetou o discernimento, a razão...
O jovem renovado, porém, não se permitiu afetar,
compreendendo que em toda campanha de esclarecimento, os pertinazes
desfrutadores da ignorância geral disputam até ao fim pela permanência dos
recursos em que se comprazem, incapazes como se sentem de avançar em rumos
diferentes que os libertem por definitivo...
Três anos se haviam passado... Agora, vinculado à Sociedade
protetora dos animais, à Sociedade de promoção dos deficientes e à Instituição
Espírita, Pilarzito não dispunha de tempo excedente para a autocompaixão, nem
tampouco para agasalhar sentimentos perturbadores.
O amor cobre, sim, a multidão de pecados, conforme dissera
Jesus. Em toda parte é o sol presente quando domina a treva, é a esperança que
jamais desfalece e a força que impulsiona para frente, construindo a
felicidade."
**** Baseado na história verídica do ex-toureito Álvaro Múnera. Leia mais sobre isso
AQUI.
**** O livro Quedas e Ascensão pode ser lido
AQUI.
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Álvaro Múnera antes do acidente. |
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Hoje, Álvaro Múnera é ativista pelos animais. |