Especismo
é a discriminação existente com base nas desigualdades entre espécies. Ocorre,
em geral, quando os seres racionais se consideram superiores aos demais seres
vivos, inclusive, superiores aos seres sencientes não-racionais. O especismo é
uma das consequências do antropocentrismo, que é a concepção que coloca o ser
humano no centro das atenções do mundo, definindo a humanidade como a única
espécie sujeita de direitos.
O
especismo e o antropocentrismo têm suas origens mais distantes nos registros
religiosos. No livro de Gênesis, do Velho Testamento, está descrito que Deus
criou o mundo em sete dias, sendo que no sexto dia, no cume da criação e antes
do descanso do sétimo dia, Ele criou o ser humano (primeiro o homem e depois a
mulher) à sua própria imagem e semelhança, ordenando: "Frutificai, multiplicai-vos,
enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do
céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra".

Porém,
desde o fim da Idade Média surgiram movimentos científicos e filosóficos que
questionaram, em primeiro lugar, a filosofia e a cosmologia teocêntrica. Na
Renascença, Nicolau Copérnico (1473-1543) rompeu com a visão geocêntrica (a
Terra no centro do Universo) e formulou o modelo heliocêntrico (o Sol no centro
do Universo). Contudo, o desenvolvimento da astronomia foi muito mais longe e
mostrou que o Sol é apenas uma estrela de quinta grandeza, que tem
"apenas" 4,7 bilhões de anos e nasceu muito tempo depois da criação
do Universo, que por sua vez não é fixo e está em constante expansão. O Sol
fica na periferia da Via Láctea, sendo uma das bilhões de estelas desta
Galáxia, que por sua vez é uma das bilhões de Galáxias que existem em um
Universo de cerca de 14 bilhões de anos. Há também a possibilidade de
existência de Universos paralelos, o que diminui ainda mais a importância do
Sol entre os demais astros galáticos.
Portanto,
se o Sol é uma estrela da periferia da periferia do Universo, a Terra é apenas
um planeta sem luz própria e que gira, preso pela gravidade, em torno do Sol e
depende de sua energia e calor. Como se diz popularmente: a Terra é um grão de
areia na imensidão do Universo. Mas este "grão de areia" é a casa de
cerca de nove milhões de espécies, que vivem em suas terras, águas e ar.
Nos
séculos XVII e XVIII, surgiram movimentos científicos e filosóficos
questionando as noções de que a natureza e as espécies são imutáveis, teriam
origem divina, foram criadas de forma independente e que o ser humano possui
semelhança com Deus.
Com
base no empirismo e no iluminismo os pensadores progressistas buscaram combater
os preconceitos, as superstições e a ordem social do antigo regime. Ao invés de
uma natureza incontrolável e caótica, passaram a estudar suas leis e entender o
seu funcionamento. Associavam o ideal do conhecimento científico com as
mudanças sociais e políticas que poderiam propiciar o progresso da humanidade e
construir o "paraíso na terra". Os pensadores iluministas buscaram
substituir o Deus onipresente e onipotente da religião e das superstições
populares pela Deusa Razão. Em certo sentido, combateram o teocentrismo, mas
não conseguiram superar o antropocentrismo, mantendo a oposição entre cultura e
natureza, entre o cru e o cozido, a linguagem escrita e a linguagem não formal
e entre a racionalidade e a irracionalidade.
Já
Charles Darwin (1809-1882) mostrou que todas as espécies têm uma origem comum,
não são imutáveis e evoluem por meio da seleção natural, sendo que toda forma
de vida atual é descendente de alguma outra espécie já extinta. Para Darwin não
existem espécies superiores ou inferiores, mas apenas espécies mais adaptadas
ou menos adaptadas ao meio ambiente da Terra. No máximo haveria diferenças de
grau e não de essência. Inclusive a mente humana se desenvolve em função do
processo evolutivo. Em síntese, todas as espécies são irmãs, pois possuem
origens ancestrais comuns.
Contudo,
existem pessoas que ignoram os danos ambientais da civilização e consideram que
o ser humano está no topo da evolução das espécies. Além disto, toda a
legislação existente na face da Terra coloca, fundamentalmente, apenas o ser
humano como sujeito de direitos plenos. Evidentemente, existem países que não
respeitam nem os direitos humanos. Mas, onde existe o Estado Democrático de
Direito, as normas jurídicas, em maior ou menor medida, combatem o classismo
(discriminação com base em renda ou posição social); o sexismo (discriminação
com base no sexo e nas diferenças entre homens e mulheres); o racismo
(discriminação com base em cor, raça ou etnia); o escravismo (discriminação com
base na propriedade ou dominação de uma pessoa sobre outra); xenofobismo
(discriminação ou antipatia por estrangeiros) e o homofobismo (discriminação
com base na orientação sexual).
Todavia,
quase não existe uma legislação combatendo o especismo, pois os animais
não-racionais, em geral, não são considerados sujeitos de direito, no máximo
são objetos de tutela. No Brasil existe uma legislação de proteção aos
animais. Por exemplo, em 1934, o Decreto 24.645, assinado pelo Presidente
Vargas previa detenção de dois a quinze dias para quem praticasse maus-tratos
contra animais. A Lei de Crimes Ambientais, de 1998, ampliou o período de
prisão de três meses a um ano para casos de maus-tratos ou abuso contra animais
domésticos, silvestres, nativos ou exóticos. No plano internacional, a Unesco
proclamou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, em 1978, foi um
grande marco na luta pela causa animal, defendendo os direitos dos seres vivos
que não são capazes de defesa própria.
Contudo,
o planeta Terra continua dominado pelos seres humanos, que consideram os
animais propriedade ou coisas, a serviço dos interesses antropocêntricos e
egoísticos. Cerca de 30 mil espécies são extintas todos os anos e bilhões de
animais são mortos anualmente para saciar a fome humana. Os maus tratos contra
animais são abundantes. É comum ouvir pessoas dizerem que enquanto houver
"uma criança passando fome" o ser humano tem o direito de prosseguir
com o desenvolvimento econômico e utilizar a vida de animais e outros recursos
naturais em benefício próprio. Em contraposição, no máximo são criados alguns
parques para a proteção dos animais mais ameaçados, mas que funcionam com
exceções que confirmam a regra da escravidão e da dominação animal.
Portanto,
a desigualdade entre as espécies é uma realidade inquestionável. A ciência
humana descobriu que pertence a uma espécie praticamente insignificante no
Universo, mas as pessoas continuam se achando o centro da Terra e superiores às
demais espécies, sendo as únicas portadoras de direitos. Por isto, as
atividades antrópicas ocupam cada vez mais espaço no Planeta e a humanidade
sufoca a vida não-humana e a biodiversidade. Os maus tratos contra as outras
espécies e a servidão animal continuam predominando no mundo. Mesmo pessoas que
combatem o classismo, o sexismo, o racismo, o escravismo, o homofobismo e o
xenofobismo aceitam sem muito senso crítico o especismo.
Porém, para um número cada vez maior de pessoas,
está na hora de mudar esta situação. O tema dos direitos dos animais deve estar
presente na Rio + 20. A noção antropocêntrica e narcisista, aprovada na Rio/92,
de que "Os seres humanos estão no centro das preocupações para o
desenvolvimento sustentável" deve ser alterada, para uma nova concepção
que leve em conta os princípios biocêntricos. Os demais seres vivos e o próprio
Planeta possuem direitos à existência em si - direitos intrínsicos - e não
podem ser vistos apenas como insumos para o bem-estar humano.
Por José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia
e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da
Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE
Fonte: Informativo SEDA de 20/04/2012
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