Esse é o ponto mais polêmico entre as novas regras definidas pelo
Conselho Federal de Medicina Veterinária. A entidade revisou sua normatização
sobre eutanásia e emitiu uma nova resolução, que vem sendo criticada por
entidades de proteção.
O documento
inclui novos métodos para o sacrifício e retira da lista procedimentos de risco
como o choque elétrico sem anestesia prévia.
Até aí, tudo bem. O problema é que o veterinário fica autorizado a
matar animais produtivos doentes e cujo tratamento represente custos
incompatíveis com a atividade ou com os recursos do proprietário. Trocando em
miúdos: donos de animais de fazenda enfermos podem optar pela morte mesmo que
ela possa ser evitada com cuidado médico.
"A nova
regra veio para regularizar a situação de trabalhadores rurais que não podem
gastar o valor de cinco vacas para tratar um único animal com a perna quebrada,
visto que não possuem recursos", diz Marcelo Weinstein Teixeira, da
Comissão de Ética, Bioética e Bem-Estar Animal do Conselho.
Para a
empresária e protetora de gatos Eunice Lima, 42, a nova regra é desumana.
"O fazendeiro tem que colocar em sua planilha de custos que os bichos
também adoecem e precisam de tratamento. Não existe isso de matar só porque é
caro cuidar", diz.
"O
conselho não atentou para o fato de que a eutanásia deve ser praticada em
benefício do animal, não de seu proprietário", diz Vanice Orlandi,
presidente da Uipa (União Internacional Protetora dos Animais). Segundo ela,
que é advogada, o texto da nova resolução não condiz com a legislação que
protege os animais, abrindo brecha para o sacrifício de "pets" por
motivo financeiro.
"A
resolução autoriza o sacrifício quando o tratamento tiver custos incompatíveis
com a atividade que o animal desempenha ou com os recursos do dono. Cães e
gatos não estão excluídos, uma vez que a resolução dispõe sobre a eutanásia de
animais, sem fazer distinção entre os que são destinados ao abate e à companhia
doméstica", afima.
Segundo a
entidade dos veterinários, quem tem bichos de estimação não pode recorrer à
eutanásia só porque o tratamento é caro. "Quem não pode pagar deve buscar
os hospitais universitários, os poucos hospitais veterinários públicos ou as
ONGs", diz Benedito Fortes de Arruda, presidente do Conselho Federal de
Medicina Veterinária.
SARNA E CONJUNTIVITE
Mas Orlandi, da
Uipa, critica ainda a autorização para sacrificar animais que constituírem
ameaça à saúde pública. "Sarna pode ser considerada ameaça, até
conjuntivite é ameaça", afirma.
Na visão dela,
o texto deveria deixar claro que a eutanásia só é aceitável quando o bicho tem
doença incurável.
"A nova
resolução é um consenso entre os veterinários. Ninguém está falando em matar
animais saudáveis, a regra vale apenas para os doentes que representam alto
custo. Tratar uma vaca não é como cuidar de um gato dentro de casa", diz
Fortes.
Para Rosângela
Ribeiro, veterinária e gerente de programas da WSPA (World Society for the
Protection of Animals), outra falha da resolução é autorizar que pessoas sem
diploma pratiquem eutanásia desde que assistidas por profissional da área.
"Esse é um
procedimento delicado que pode gerar dor."
Teixeira rebate
explicando o propósito da nova regra: "Em casos de epidemia, quando é
necessário sacrificar um rebanho inteiro, o veterinário pode receber ajuda de
pessoas treinadas desde que ele se responsabilize".
No ano que vem,
o Conselho Federal de Medicina Veterinária deve publicar um guia de métodos e
boas práticas feito com o Ministério da Ciência e Tecnologia para orientar os
profissionais sobre as técnicas de eutanásia. Segundo Teixeira, o método mais
seguro, hoje, é a injeção de um anestésico potente.
É justamente
com injeção letal que é feita a eutanásia no Centro de Controle de Zoonoses de
São Paulo. O órgão informa que sacrificou 912 cães e 103 gatos no primeiro
semestre. "São animais removidos da rua, que já chegam ao centro sem
condições de serem tratados", afirma Telma Rocha, subgerente de Vigilância
e Controle de Animais Domésticos do órgão.
DECISÃO
TRAUMÁTICA
Sacrificar
animal doméstico é uma decisão traumática. Muita gente desiste de ter bichos
depois da experiência.
Em fevereiro de
2008, o gato Calvin, de seis anos, estava com 70% de sua função renal
comprometida. Fazia xixi pela casa e emagrecia a olhos vistos, quando a dona, a
advogada Camila Sesana, 38, decidiu sacrificá-lo.
"Nunca vou
esquecer o suspirinho que ele deu quando o anestésico entrou. Foi um dos dias
mais pesados da minha vida", diz. "Mesmo sem hipótese de melhora, foi
atordoante me ver na posição de definir o fim da vida dele."
Aos dez anos, a
cocker spaniel Bruna ficou cega. Este ano, aos 15, foi operada de uma
inflamação no útero. "Dois meses após a cirurgia ela enfraqueceu e não
levantava para nada", conta a engenheira ambiental Paula Ferreira, 24.
Um dia, Bruna
desmaiou no banho e foi levada ao veterinário: a inflamação no útero se
espalhou. Nova operação foi desaconselhada por conta da idade da cadela.
"Conversamos na família e decidimos que o melhor era deixá-la descansar", diz Paula. Hoje, seus pais discutem se terão ou não outro bicho.
"Conversamos na família e decidimos que o melhor era deixá-la descansar", diz Paula. Hoje, seus pais discutem se terão ou não outro bicho.
Aos 15 anos, a
engenheria civil Ana Carolina Paulino, 30, ganhou um bichinho de 1,90 m, o
cavalo Dakar, criado na chácara onde ela morava, no Tocantins.
Aos 17 anos,
Ana levou Dakar para uma cavalgada. Caíram num buraco tampado pelo mato e Dakar
feriu uma vértebra lombar. O cavalo chegou a andar até o caminhão que iria
levá-lo de volta à chácara e foi examinado por um veterinário. Ao chegar,
tropeçou na saída, na rampa do caminhão. A vértebra que estava fissurada se
quebrou.
"Não foi
possível fazer nada. Aplicamos anti-inflamatórios e analgésicos, mas a dor dele
era visível", diz Ana Paula. Os pais e o veterinário decidiram sacrificar
o bicho. Já ela não aceitava a ideia.
"Eles
marcaram a data, mas, no dia, não deixei. Fizeram a eutanásia quando eu saí
para prestar vestibular." Ana se mudou para cursar a faculdade e conta que
nunca mais conseguiu voltar à chácara ou andar a cavalo.
Fonte: Folha
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